QUEM MANDOU MATAR?
Política e polícia no assassinato de jornalistas
Bob Fernandes (reportagem)
Bruno Miranda (vídeos)
Quase todos nas cabeças, tórax, alguns na boca: 50 tiros.
Assim foram assassinados os jornalistas Gleydson Cardoso de Carvalho, Djalma Santos da Conceição, Rodrigo Neto de Faria, Walgney Assis de Carvalho, Paulo Roberto Cardoso Rodrigues e Luiz Henrique Rodrigues Georges.
Gleydson, 36 anos, morto dentro do estúdio da Rádio Liberdade FM, em Camocim, Ceará, em 2015. Três tiros.
Djalma, 54 anos, sequestrado, torturado e assassinado no meio do mato em Conceição da Feira, Bahia, em 2015. Quinze tiros.
Dois anos antes, em Ipatinga, Vale do Aço, Minas, em intervalo de 37 dias foram mortos Rodrigo e Walgney. Três tiros para cada.
Em 2012, em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, assassinados Paulo Roberto, o “Paulo Rocaro”, e Luiz Henrique Georges, o “Tulu”.
Nove tiros para Paulo, três para “Tulu”. Mortos em fevereiro e outubro. A 50 metros de distância um do outro, na mesma Avenida chamada Brasil.
“Tulu” dirigia o Jornal da Praça, que tinha “Paulo Rocaro” como Editor-Chefe. Paulo era, também, Diretor do Site Mercosul News.
Nos demais assassinatos, acusação, indiciamento ou, no mínimo, suspeita de políticos ou seus familiares terem dado ordem para matar.
Em dois dos quatro municípios, policiais suspeitos, ou acusados de envolvimento nos assassinatos.
O Brasil tem outorgadas 14.350 emissoras de rádio, com 9.973 outorgas para emissoras nas áreas comercial e educativa e 4.377 para rádios comunitárias.
O jornalismo é quase sempre feito pelas rádios. À exceção de Ponta Porã, e do fotógrafo Walgney Carvalho em Ipatinga, demais assassinados trabalhavam basicamente em rádio.
Se no topo o país vive monopólios na indústria de comunicação de massa, imagine-se a fragilidade no Brasil profundo.
Emissoras e profissionais, muitas vezes em vão, se esforçam para não se tornarem reféns de anunciantes. Sejam eles de origem privada ou pública.
Em muitos casos, na prática o salário é obtido diretamente pelo profissional junto aos anunciantes. Essa, uma fragilidade extremamente perigosa. E não apenas para o jornalismo. Principalmente para os jornalistas.
Segundo o Committee to Protect Journalists (CPJ) 39 jornalistas foram mortos no Brasil desde 1992. Assassinos ou mandantes de 25 destes jornalistas mortos continuam impunes.
Jornalistas mortos no exercício da profissão são, na realidade, mais do que os listados nessa contagem.
Ao levantar casos de jornalistas mortos no exercício da profissão, o CPJ e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) têm tido prudência.
Prudência recomendável diante da imensidão continental do Brasil. E, além disso, das dificuldades em se definir com precisão: o assassinato se deu por motivos ligados ao jornalismo ou por ações pessoais alheias ao exercício profissional?
Limite por vezes tênue, como se verá em casos investigados em quatro reportagens que resultaram, também, em quatro vídeos.
O limite leva à prudência, mas não impede que se exija investigação e punição dos responsáveis seja em que caso for.
Essa, de resto, uma obrigação fundamental do jornalismo no país que tem assistido quase 60 mil mortes violentas a cada ano.
Quando estas reportagens e vídeos eram finalizados foi presa e indiciada Roseli Ferreira Pimentel (PSB), 44 anos, prefeita de Santa Luzia, Minas Gerais.
Presos também David Santos Lima, Alessandro de Oliveira Souza e Gustavo Sérgio Soares Silva.
Todos acusados de envolvimento no assassinato de Maurício Campos Rosa, 64 anos. Morto com cinco tiros em 17 de agosto de 2016.
Maurício era dono do jornal local “O Grito”, distribuído gratuitamente na região metropolitana de Belo Horizonte.
Quais, entre dezenas de casos, investigar e documentar?
Além do flagrar em regiões variadas a violência indiscriminada, generalizada pelo país, optamos por alguns critérios nessa viagem de 14.800 quilômetros pelo Brasil.
Gleydson, em Camocim, Ceará, por ter sido assassinado dentro do estúdio, quando entrava no ar. Crime com repercussão mundo afora.
Rodrigo Neto e Walgney de Carvalho, em Ipatinga, pela reação exemplar do jornalismo aos assassinatos.
Pressionado pelo trabalho de repórteres da região, e pelo Sindicato dos jornalistas de Minas, o governo estadual montou uma força-tarefa.
Os dois assassinos, um deles policial, foram condenados e presos. Acusados por outros crimes, 10 policias foram presos. Depois, pouco a pouco, foram libertados. Os mandantes seguem livres.
Em Conceição da Feira, na Bahia, o contrário. Ninguém preso. O delegado que investigou o crime já não está na cidade. Que seguia sem promotor, sem juiz, e sem Fórum.
Em Ponta Porã/ Pedro Juan Caballero, a feroz disputa do narcotráfico, com a presença de “Comandos” que, assim como Brasil afora, guerreiam e ocupam territórios.
Mortes e mais mortes, com máxima brutalidade, no meio de ruas e avenidas de duas cidades fronteiriças tornadas uma só. E assassinato por motivo político com envolvimento de personagens da narcopolítica.
Naquela fronteira, e demais municípios onde jornalistas foram assassinados, um mosaico do Brasil extremamente violento.
