- Angelina Nunes e Bruna Lima*
O assassinato do jornalista Léo Veras, de 52 anos, continua sem resposta. Um ano se passou desde que ele foi executado a tiros em sua casa, na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, na fronteira com Ponta Porã (MS). Os assassinos o surpreenderam enquanto ele jantava com a família. As investigações ainda não apontaram um mandante para o crime. “Temos muitas perguntas e nenhuma resposta. Ninguém sabe a dor que nossa família está passando”, declarou Cintia Gonzáles, viúva do jornalista. Ela segue com proteção policial.
A execução ocorreu na noite de 12.fev.2020. Pouco depois das 20h, dois homens invadiram a casa de Veras. O barulho do destrave da pistola Glock 9mm chamou a atenção do jornalista, que correu para o quintal. Os pistoleiros o seguiram e atiraram doze vezes.
Casa do jornalista Léo Veras em Pedro Juan Caballero (PY) / Imagem: Angelina Nunes
Um dos principais suspeitos de ser o mandante, Ederson Salinas Benítez, recebeu autorização para passar as festas de fim de ano com a família, em Campo Grande (MS). “Salinas Ryguasu”, como é conhecido, já havia sido beneficiado por um habeas corpus em março de 2020, mas não tinha permissão para sair do município.
Ele foi preso na madrugada de 20.jan.2020, quando se envolveu em uma briga de trânsito que resultou em sua prisão. Após ser ultrapassado por um motorista xingando e mostrando uma arma, Ryguasu foi atrás do condutor, fechou-o e saiu do carro de arma em punho, gritando que era o chefe e mandava na região. A discussão foi interrompida por policiais, e ele foi detido.
Ao chegar à delegacia, apresentou um documento brasileiro com o nome de Edson Barbosa Salinas e, como não havia nada no histórico policial, o juiz de plantão arbitrou uma fiança de R$ 80 mil para liberá-lo. O suspeito seria liberado não fosse por uma informação repassada pela Polícia Federal. Agentes da PF, com o auxílio da polícia paraguaia, confirmaram que o documento brasileiro era falso e que a verdadeira identidade do preso era Ederson Salinas Benitez, o Ryguasu.
Na época, circulou a informação de que Léo Veras teria sido o responsável por comunicar às autoridades a verdadeira identidade do narcotraficante. Por esse motivo, Ryguasu teria dado a ordem de execução do jornalista.
O habeas corpus que beneficiou Ryguasu veio três meses após a detenção, em 11.mar.2020. O narcotraficante deixou a Penitenciária Estadual de Dourados depois de apresentar dez boletos que somavam o valor da fiança, e ser informado de que teria de comparecer todo mês para comprovar endereço fixo. No entanto, segundo a assessoria do juiz Marcelo Guimarães, as medidas de segurança tomadas após a pandemia suspenderam essa medida.
No dia 01.mai.2020, na mesma cidade em que Veras foi assassinado, policiais prenderam Waldemar Pereira Rivas, conhecido como “Cachorrão”, foragido desde fevereiro. Ele é considerado suspeito de envolvimento na morte de Veras e, segundo informações, também integra a quadrilha de traficantes do PCC que atua na fronteira do Brasil com o Paraguai. Cachorrão foi detido após ser reconhecido por policiais paraguaios, depois de causar um acidente de trânsito.
Ele morava a poucas quadras da casa do jornalista assassinado e é o proprietário de um Jeep Renegade branco que teria sido usado para transportar os três homens que estiveram na casa de Veras na noite de sua execução. O suspeito negou o crime.
Imagem: Reprodução / Jornal ABC Color
A força tarefa montada para apurar o caso trabalhou em cinco linhas de investigação que poderiam ter motivado o crime. Todas ligadas a atividades dos narcotraficantes do PCC na fronteira entre Ponta Porã (MS), no Brasil, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, noticiadas pelo jornalista em seu site.
Envolvimento do PCC
Segundo a equipe da Abraji que esteve no local do assassinato, oito horas antes da execução do jornalista, ele estava empenhado em buscar mais informações sobre duas mortes atribuídas a um pistoleiro do PCC: a de Adolfo Gonçalves Camargo, de 31 anos, em 16.ago.2019, e o desaparecimento do comerciante Roney Fernandes Romeiro, de 35 anos, dois dias depois da morte de Camargo.
Em seu site Porã News, Veras informou que policiais investigavam Genaro Lopes Martins, conhecido como “Animal do PCC”, como o suposto executor dessas mortes. Ele é conhecido por torturar as vítimas e esquartejar seus corpos.
A equipe da Abraji também descobriu que a pistola Glock 9 mm usada no assassinato de Veras foi a mesma arma usada nas execuções de ao menos outras sete pessoas em Pedro Juan Caballero. Todos os crimes estariam relacionados ao PCC.
Seminário lembra a morte de Léo Veras e cobra segurança para jornalistas do Paraguai e da América Latina
Aconteceu hoje (12.fev.2021) em Assunção, no marco de um ano após a morte do jornalista Léo Veras, o seminário “Conversatorio por Justicia para Leo Veras. La lucha por seguridad para periodistas en Paraguay y Latinoamérica”, que reuniu representantes de entidades paraguaias, brasileiras e organismos internacionais. O evento foi organizado pela Mesa para la Seguridad de Periodistas. Durante duas horas, os jornalistas e a viúva de Leo Veras, Cíntia Gonzaléz, discutiram as ameaças e mortes de jornalistas, a lentidão na apuração dos casos e a falta de julgamento, atrasados também devido à pandemia de covid-19.
Além da Abraji, o seminário contou com o apoio do Sindicato de Jornalistas do Paraguai, Fopep, Unesco, Repórteres sem Fronteiras, União Sul-Americana de Correspondentes e da Cátedra de Direito à Informação da Universidade Nacional de Assunção.
Para a coordenadora do Programa Tim Lopes, Angelina Nunes, o encontro foi importante para cobrar das autoridades paraguaias mais celeridade na solução do caso e para levar os assassinos a julgamento. “Todos nós estamos enfrentando ameaças diariamente em nossos países, seja de autoridades, seja do crime organizado. Precisamos mostrar que essa sensação de impunidade não pode perdurar”, afirmou.
O coordenador da Mesa para la Seguridad de Periodistas do Paraguai, José Maria Costa, afirmou ser necessário fortalecer o pedido por justiça para este caso e de outros 20 jornalistas assassinados naquele país nos últimos 30 anos. Para ele, a sociedade deve entender que a luta por segurança no exercício da profissão é uma luta fundamental para proteger a liberdade de expressão e o direito à informação de todo cidadão.
“Não é possível contar com uma sociedade democrática sem liberdade, construir democracia sem um jornalismo forte, seguro e livre. Léo Veras viveu seu compromisso com a sociedade por meio de um jornalismo forte, valente e direto”, defendeu.
Programa Tim Lopes
O assassinato do jornalista Léo Veras é o terceiro caso a ser incluído no Programa Tim Lopes, desenvolvido pela Abraji, com o apoio da Open Society Foundations, para combater a violência contra jornalistas e a impunidade dos responsáveis.
Em caso de crimes ligados ao exercício da profissão, uma rede de veículos da mídia tradicional e independente é acionada para acompanhar as investigações e publicar reportagens sobre as denúncias em que o jornalista trabalhava até ser morto. Integram a rede hoje: Agência Pública, Correio (BA), O Globo, Poder 360, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora, TV Aratu, TV Globo e Veja.
O assassinato do radialista Jefferson Pureza, de 39 anos, em Edealina Goiás, em 17.jan.2018, foi o primeiro caso acompanhado pelo programa. Ele foi morto enquanto descansava na varanda de sua casa. O ex-vereador José Eduardo Alves da Silva, de 41 anos, foi acusado de ser o mandante e, no julgamento ocorrido em 2019, ele optou pelo silêncio. Na ocasião foi julgado também o caseiro Marcelo Rodrigues dos Santos, de 40 anos, acusado de ter apresentado os menores envolvidos no crime ao vereador. Segundo as investigações, o assassinato foi negociado por R$ 5 mil e um revólver.
Em julgamento no dia 9.dez.2019, o júri popular absolveu os dois acusados de envolvimento no crime, apesar de reconhecer a participação deles no caso e na corrupção de menores que praticaram o assassinato. A acusação entrou com recurso pedindo novo julgamento.
O segundo caso é o do radialista Jairo de Sousa, de 43 anos, morto na madrugada de 21.jun.2018, com dois tiros no tórax quando chegava para trabalhar na rádio Pérola FM, em Bragança, no Pará. O suspeito de ser o mandante é o vereador Cesar Monteiro. Ele teria contratado um grupo de dez pessoas para realizar o crime. Segundo os autos do inquérito, o assassinato teria custado R$ 30 mil.
Em maio de 2019, o vereador Cesar Monteiro teve a prisão preventiva revogada, após o Tribunal de Justiça do Pará conceder-lhe um habeas corpus. No entanto, em 8.abr.2019, ele foi preso novamente acusado de ser o mandante da morte do radialista. Ainda não há data marcada para o júri popular.