Pedro Teixeira*
Em 2020, o nível de hostilidade contra jornalistas atingiu um patamar jamais registrado, segundo o mais novo relatório produzido pela Federação Nacional dos Jornalistas divulgado nesta terça-feira, 26.jan.2021. Os casos de agressão aos profissionais de imprensa dobraram em relação a 2019. E o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) responde pela maioria dos ataques.
Segundo o documento Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil,foram 428 ocorrências em 2020 – uma alta de cerca de 106% ante as 208 de 2019, antigo recorde da série histórica.
Para a presidente da Fenaj, Maria José Braga, a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da República culminou na explosão de ataques.
“Esse crescimento está associado de forma direta ao bolsonarismo, movimento de extrema direita capitaneado pelo presidente, que se repercute na sociedade por meio dos seus seguidores”, avalia Braga.
Antes do início do mandato de Bolsonaro, os picos de hostilidade contra a imprensa se deram em anos eleitorais ou em períodos marcados por grandes manifestações, como as de jun.2013, ainda no governo de Dilma Rousseff.
Conforme dados da Fenaj, Jair Bolsonaro foi o principal autor de ataques contra jornalistas e liberdade de imprensa em 2020, sendo responsável por 175 casos (145 de descredibilização da imprensa, 26 de agressão verbal direta, dois ataques à própria entidade, uma ameaça contra jornalista e outra contra a TV Globo).
Ontem, 25.jan.2021, a ONG Repórteres sem Fronteiras apontou o chefe do executivo do país e seus filhos como protagonistas de 80% dos ataques contra a mídia.
A Fenaj é signatária de um dos pedidos de impeachment contra o presidente por entender que o desrespeito à liberdade de imprensa e à livre circulação de informação jornalística fere o decoro do cargo. A entidade também move uma ação contra Bolsonaro por dano moral coletivo.
Em 2020, a Fenaj observou a prevalência em um índice específico: a tentativa de tirar a credibilidade da imprensa. Foram 152ocorrências – alta de quase 33% em comparação a 2019. O número de ataques verbais e virtuais cresceu 280% e episódios de censura saltaram de 10 para 85 – crescimento de 750%.
Censura contra a EBC
O relatório Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil destacou também os episódios de censura dentro da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), mídia pública do Estado brasileiro. Foram pelo menos 76casos registrados pela Fenaj.
A Fenaj denunciou que fontes críticas ao governo foram cortadas das reportagens produzidas pela EBC, como trabalhadores dos Correios em greve, membros do Sindicato dos Petroleiros, representantes de entidades de direitos humanos, como Anistia Internacional e Human Rights Watch e Conselho Indigenista Missionário.
Ainda de acordo com a entidade, o uso do termo “ditadura” para se referir ao período entre 1964 e 1985 foi vetado dos textos – prática que começou em 2019 e continuou em 2020. A Fenaj usou como exemplo uma reportagem do programa “Fique ligado”, da TV Brasil, sobre a exposição ‘O Pasquim 50 anos’, em cartaz no Sesc de São Paulo. Um trecho que mencionava a prisão de jornalistas do semanário durante a ditadura militar foi suprimido.
Assédio judicial
A Fenaj identificou em 2020 16 casos de cerceamento à liberdade de expressão por meio de ações judiciais contra jornalistas.
Um dos casos lembrados durante a coletiva de imprensa foi o processo movido contra a jornalista catarinense Schirlei Alves, autora da matéria sobre o caso da influenciadora digital Mariana Ferrer. Em dez.2020, tanto o promotor, Thiago Carriço, quanto o magistrado, Rudson Marcos, responsáveis pelo litígio judicial moveram ações por dano moral contra Alves.
“O poder judiciário deveria ser um garantidor da liberdade de imprensa e expressão no Brasil. Operadores da Justiça não têm a prerrogativa para agir como censores em proveito próprio”, sublinhou Maria José Braga.
A Abraji também acompanha processos na Justiça contra jornalistas e meios de comunicação. A metodologia do projeto Ctrl+Xleva em conta pedidos de remoção de conteúdo em geral, não apenas as ações destinadas a retirar do ar reportagens feitas por profissionais da imprensa. Em 2020, o levantamento catalogou 100 imbróglios jurídicos envolvendo remoção de conteúdo, sem contar as ações nos tribunais eleitorais que ainda serão adicionadas ao monitoramento.
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