Ana Helena Tavares*
Muitos adolescentes dos subúrbios não conhecem a própria cidade, nem sequer a região central. Esse é um dado geográfico, mas o problema é maior. Restritos à realidade de seus bairros afastados da efervescência cultural e política, esses jovens são submetidos a um alheamento da realidade social. Mais do que isso, sentem-se desvalorizados, carentes de um afago, um elogio, um incentivo.
Ciente disso e buscando formas de ampliar os horizontes de seus alunos, o professor de sociologia Maurício Ricardo Alves Rossi costuma promover visitas de suas turmas a locais que possam, nas palavras dele, “mostrar a história viva”. Assim foi no último dia 03 de setembro na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), onde ocorria o evento “Ditadura Nunca Mais”.
Rossi dá aula no Colégio Estadual Charles Chaplin, que é noturno e fica no bairro de Oswaldo Cruz, zona norte do Rio de Janeiro. Para liberar as turmas, conta com o apoio do diretor, o prof. Marcelo Alves Rodrigues. “Quando o Maurício chega com essa proposta, de levar os alunos para centros de discussão como a ABI, eu acho isso de suma importância, porque os alunos acabam vendo que o que é discutido em sala de aula é falado também por outras pessoas, deixando-os mais inseridos no atual contexto político”, comenta Rodrigues.
A coordenadora pedagógica do colégio, professora Andrea Santos Andrade, concorda. “Eu sempre acreditei que escola não é só entre os quatro muros”, resume.
Para debater sobre a importância de atividades externas, foi feito um círculo em sala de aula, cerca de uma semana após a visita à ABI, com nove dos dez alunos que foram ao evento. A avaliação que os jovens fazem de como foram recebidos na centenária Casa do Jornalista é a melhor possível.
“Foi um troço diferente. A gente esperava outra coisa, pensávamos que ficaríamos só assistindo quietos, não achávamos que seríamos tão bem recebidos”, explica Rayane Oliveira, 17 anos. “Foi muito amigável”, avalia Letícia Sousa, de 18 anos.
Apesar do tema pesado – “Ditadura Nunca Mais” – Letícia considerou o evento “divertido”, devido à forma como foram acolhidos. Seus colegas concordam.
“Lá (o assunto) foi bastante sério, mas a gente se sentiu muito à vontade. Eu pude falar com a mãe da Marielle e ela me disse que nós somos o futuro. Teve uma hora que a mesa pediu para a gente levantar e todos nos aplaudiram. Ali, nos sentimos importantes”, relata o jovem Bruno, também com 18 anos.
Fazer seus alunos se sentirem importantes é uma prática comum do professor Rossi, que tem apenas 37 anos e um rosto jovem que se mistura ao dos estudantes. A história dele, no entanto, é bastante diferente da maioria daqueles que frequentam suas aulas. Sobrinho-neto do ex-presidente da ABI, Maurício Azedo, ele carrega um pedaço do seu nome e tem orgulho de sua trajetória.
“Quando foi a posse do meu tio-avô, pessoas importantes para a democracia estavam lá. Então, levar meus alunos para esse espaço mexeu comigo. Lembro que, em 2011, poucos anos antes de ele morrer, a ABI abriu as portas para os bombeiros que estavam em greve. Meu tio-avô morreu defendendo a democracia”, assegura.
Rossi faz questão de falar também de sua tia-avó, Aparecida Azedo: “Vivemos numa sociedade machista, que apaga a história das mulheres. Minha tia-avó Aparecida foi boia-fria, trabalhou em lavoura. Depois se destacou politicamente e como artista”, assinala.
Além de Rossi, também participou da roda de conversa na escola o professor de matemática Júlio César Rosa, que pediu para fazer um relato sobre uma situação, ocorrida em outro colégio, na qual se sentiu intimidado por um aluno. “Eu avisei que numa sexta-feira não teria aula porque eu iria reivindicar meus direitos numa manifestação. Um aluno, que é recruta, me disse: ‘eu também vou estar, mas vamos estar em lados diferente’. Para mim, foi ameaçador. Senti que ele queria me amedrontar, me derrubar, me ferir”.
Entre os alunos do Colégio Charles Chaplin que foram à ABI, um é neto de coronel. O jovem solicitou que seu nome não fosse publicado, mas deu seu depoimento. “Eu não apoio a tortura, mas fui criado com leis militares. Na casa do meu avô, ninguém podia entrar sem bater continência. Se não batesse, tinha que voltar, entrar de novo e pagar dez flexões”. Por ter tido essa formação, ele conta que ficou meio ressabiado de ir ao evento na ABI, mas foi e gostou.
“Nós poderíamos ter ficado apagados num canto. Mas todos fizeram questão de colocar a gente lá em cima. Poxa, nunca tínhamos sido aplaudidos. E lá nós fomos. Tinha ex-ministros lá, né? Fiquei achando que um dia eu também posso ser ministro”.
*Ana Helena Tavares é jornalista, escritora e conselheira da ABI.