Jornalista é condenada a prisão por uso de expressão “estupro culposo” na cobertura do caso Mariana Ferrer

Redação Portal IMPRENSA 
Revelada pelo jornal Folha de São Paulo ontem, uma decisão sigilosa de 28 de setembro da juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, condenou a jornalista Schirlei Alves a seis meses de detenção em regime aberto por crime de difamação contra o juiz e o promotor que atuaram no caso da influencer Mariana Ferrer. A magistrada também estabeleceu uma multa e R$ 400 mil de reparação. Metade do valor seria destinado ao juiz Rudson Marcos e a outra metade ao promotor Thiago Carriço.
Revelada na mesma semana em que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aplicou uma pena de advertência ao juiz Rudson Marcos por sua atuação no caso Mariana Ferrer, a decisão foi motivada por reportagens assinadas por Shirlei e publicadas no Intercept Brasil. As matérias divulgaram imagens de uma audiência de instrução de 2020 em que a influenciadora foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprá-la em dezembro de 2018. Aranha foi absolvido da acusação em primeira e em segunda instâncias.
Crédito: Pedro Ladeira/Folha Press
Absolvição de André Aranha, réu no caso Mariana Ferrer, motivou protestos contra cultura do estupro
“Estou sendo punida por ter feito o meu trabalho como jornalista, por ter revelado ao público um absurdo de poder cometido pelo Judiciário. Essa decisão me parece uma tentativa de intimidação, de silenciamento não só da minha pessoa, mas de outros jornalistas que cobrem o Judiciário”, afirmou Schirlei.
Presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Katia Brembatti também condenou a decisão e afirmou que ela fere a liberdade de imprensa. “Punir uma repórter por tornar público algo que interessa a toda a sociedade é mais que um contrassenso, abre um caminho perigoso. Espero que a instância superior corrija o erro e afaste qualquer condenação criminal à jornalista.”
“Estupro culposo”

Em referência à tese da Promotoria, Shirleu usou em suas matérias a expressão “estupro culposo”. O termo, porém, não foi utilizado no processo. O intercept chegou a publicar um texto afirmando que a expressão foi usada “para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo”.
Antes da matéria do Intercept, Schirlei assinou no portal catarinense ND+ outra reportagem sobre o caso, na qual também usou a expressão “estupro culposo”.
A juíza Andrea Cristina considerou que a tese de “estupro culposo” configurou crime de difamação e teve consequências “nefastas”  ao “alcançar o público de todo o Brasil”.
“A liberdade de expressão, como uma pré-condição para o exercício dos demais direitos e liberdades, detém uma configuração de destaque e preferência no Estado democrático brasileiro. Porém, o exercício deste direito não pode ultrapassar o direito à honra da vítima em razão da divulgação de notícias falsas ou fora do contexto da realidade”, disse a juíza.
Advogado da jornalista e do Intercept Brasil, Rafael Fagundes disse que a sentença “ignorou a realidade dos fatos e a prova dos autos, resultando em uma decisão flagrantemente arbitrária e ilegal”.
“Além disso, a sentença cometeu uma série de erros jurídicos primários, agravando artificialmente a condenação e contrariando toda a jurisprudência brasileira sobre o tema. Incapaz de esconder preocupações corporativistas, essa sentença pode servir como uma ameaça contra aqueles que ousam denunciar os abusos eventualmente cometidos pelo Poder Judiciário”, disse.