A Justiça britânica rejeitou, nesta segunda-feira (04.jan.2021), o pedido de extradição do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, feito pelos Estados Unidos. Advogados do governo americano já anunciaram que vão recorrer da decisão. O ativista é acusado de espionagem por ter publicado milhares de documentos sigilosos entre 2010 e 2011.
Para sustentar sua determinação, a juíza Vanessa Baraitser citou a saúde frágil de Assange, que poderia cometer suícidio caso fosse entregue à justiça americana. O australiano tem crises de depressão severa e autoridades britânicas já encontraram uma lâmina de barbear entre os pertences dele, na prisão, em 2019. “Por essas razões, seria injusto e opressivo extraditá-lo”, escreveu a magistrada britânica na página 16 da sentença.
Detido há 20 meses na penitenciária londrina de Belmarsh, Assange foi preso quando o governo equatoriano revogou o seu asilo político na embaixada do país em Londres, em abr.2019.
Assange já foi alvo de 18 acusações por ter divulgado, no site WikiLeaks, mais de 700 mil documentos sigilosos sobre ações militares e diplomáticas. A partir da publicação, foi possível saber casos de tortura e abusos cometidos pelas forças armadas americanas em vários países do mundo, sobretudo no Iraque e no Afeganistão. Os Estados Unidos alegam que, ao hackear computadores dos governo e vazar os dados, Assange colocou em risco a vida de fontes.
A defesa de Assange anunciou que solicitará a liberdade sob fiança em audiência marcada para a próxima quarta-feira (06.jan.2021). Depois da sentença desta segunda-feira, o governo do México anunciou que ofereceu asilo político ao fundador do WikiLeaks. “Assange é um jornalista e merece uma chance. Vamos oferecer proteção”, afirmou o presidente Manuel Lopez Obrador.
Grupos de direitos humanos internacionais celebraram a decisão, mas, segundo o jornal The New York Times, muitos expressaram preocupação com a justificativa da juíza que barrou a medida com base na saúde mental do ativista e rejeitou os argumentos da defesa de que as acusações contra Assange “são um ataque à liberdade de imprensa e politicamente motivados”.
Natália Viana, cofundadora da Agência Pública e que trabalhou com Assange no WikiLeaks em 2010, também comemorou a notícia, mas levanta pontos da sentença que requerem atenção:
“O veredicto da juíza expressou que Julian Assange não é jornalista e, que, ao incentivar vazamentos no Congresso norte-americano, estaria extrapolando o seu escopo de atuação no jornalismo. O que também teria ocorrido, quando Assange pretensamente ajudou Chelsea Manning a tentar obter uma senha para apagar seus rastros em relação ao vazamento.”
Para Viana, são práticas comuns e adquiridas pelo jornalismo de hoje. Ela salienta o posicionamento da Anistia Internacional.
“Todas as violações que ocorreram ao longo desses dez anos não foram apagadas e o veredito reforça teses preocupantes para os jornalistas… A sentença também diz que o jornalista não poderia, teoricamente, incentivar vazamentos, o que é uma bobagem. Jornalistas hoje em dia adquiriram essa prática e chamam as pessoas a compartilharem informações sensíveis que exponham violações e ilegalidades”, avalia Viana.
O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, afirma que a decisão da justiça britânica é uma vitória para a liberdade de expressão no mundo inteiro, mas que é preciso aguardar as próximas sentenças.
“Esperamos que as apelações também sejam rejeitadas. O caso é crucial para o jornalismo, que precisa divulgar temas de interesse público mesmo que isso crie constrangimentos para governos”, sublinha.
Em set.2020, a Abraji uniu-se a outras instituições de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão no clamor para que a Justiça do Reino Unido recusasse o pedido de extradição de Julian Assange para os Estados Unidos. Na nota, a associação alerta que uma decisão nesse sentido poria a liberdade de expressão em risco, uma vez que o jornalista é processado por divulgar documentos de interesse público, que resultaram em milhares de reportagens.
Foto de capa: Wikimedia Commons