Em sua pesquisa global anual, o Comitê para a Proteção aos Jornalistas (CPJ) identificou pelo menos 274 jornalistas presos até 1º de dezembro de 2020, ultrapassando o número de 272 em 2016.
Os países onde o número de jornalistas presos aumentou expressivamente incluem Bielorrússia, onde ocorreram protestos em massa pela duvidosa reeleição do presidente há muito tempo no poder, e a Etiópia, onde a agitação política se degenerou em conflito armado.
Este panorama marca o quinto ano consecutivo em que governos repressivos prenderam pelo menos 250 jornalistas. A falta de liderança global em valores democráticos – particularmente nos Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump difamou inesgotavelmente a imprensa e se aproximou de ditadores como o presidente egípcio Abdelfattah el-Sisi – perpetuou a crise.
Este ano, 34 jornalistas foram presos por “notícias falsas”, comparados aos 31 no ano passado.
Nos Estados Unidos, nenhum jornalista foi encarcerado no tempo da pesquisa do CPJ, mas um sem precedentes número de 110 jornalistas foi preso ou indiciado criminalmente em 2020; e cerca de 300 foram agredidos, a maioria por agentes da lei, de acordo com o U.S. Press Freedom Tracker [Rastreador de Liberdade de Imprensa dos EUA, em tradução livre].
Pelo menos 12 ainda sofrem acusação penal, sendo que alguns podem ser condenados à prisão.
O CPJ publicou recomendações para a próxima administração do presidente eleito Joe Biden para restaurar a liderança dos EUA em liberdade de imprensa no mundo, o que inclui garantir a responsabilização pelos ataques a jornalistas no país, bem como instruir diplomatas no exterior a comparecer a julgamentos de jornalistas e manifestar apoio a jornalistas da mídia independente. O CPJ considerou a falta de confiança na mídia nos EUA particularmente perigosa durante a pandemia global.
Na China, muitos dos 47 prisioneiros cumprem longas penas ou estão presos na província de Xinjiang sem que nenhuma acusação tenha sido divulgada. Enquanto o coronavírus devastava no início deste ano a cidade de Wuhan, na província de Hubei, as autoridades prenderam vários jornalistas por coberturas que ameaçavam a narrativa oficial da resposta de Pequim.
Os três ainda encarcerados em 1º de dezembro incluem a vídeo-jornalista independente Zhang Zhan, que começou a postar reportagens de Wuhan no Twitter e no YouTube no início de fevereiro e foi presa em 14 de maio. Seus vídeos incluem entrevistas com empresários locais e trabalhadores sobre o impacto do COVID- 19 e a resposta do governo.
Zhang Zhan foi uma entre vários incluídos no censo global do CPJ que se baseou intensamente nas redes sociais – plataformas às quais os jornalistas recorrem especialmente quando todos os outros veículos são fortemente censurados ou controlados pelo Estado.
Os vídeos dela provavelmente ainda estão disponíveis para o público global por estarem hospedados em empresas fora da China. Mas o CPJ descobriu que conteúdo similar produzido por outros, presos depois dela, foi retirado do ar por motivos que não estão claros, dificultando a pesquisa e ressaltando as já antigas preocupações sobre a transparência de gigantes globais da tecnologia como Google, Twitter e Facebook.
Também na China, brigas diplomáticas pareceram colocar a mídia estrangeira em crescente perigo, em um ano em que foram expulsos mais de uma dezena de jornalistas que trabalhavam para publicações dos EUA no continente. A cidadã australiana Cheng Lei, âncora de notícias de economia e negócios da emissora estatal China Global Television Network, foi presa em agosto por supostamente colocar em risco a segurança nacional em meio à tensão entre a China e a Austrália, tornando-a a segunda jornalista australiana presa depois do blogueiro Yang Hengjun, detido sob acusações de espionagem desde janeiro de 2019.
Enquanto isso, as autoridades egípcias intensificaram sua onda de encarceramento, acusações e renovações por tempo indeterminado de prisão preventiva, elevando o número de jornalistas aprisionados para 27, igualando um recorde estabelecido em 2016.
Só em novembro, promotores apresentaram novas acusações de terrorismo contra o fotógrafo Sayed Abd Ellah e o blogueiro Mohamed “Oxygen” Ibrahim para contornar uma ordem judicial para que fossem libertados. Desde abril de 2019, as autoridades egípcias têm usado táticas semelhantes para estender a detenção de pelo menos outros oito jornalistas, como documentou o CPJ.
Neste ano, a repressão no Egito parecia prosseguir às vezes por causa da pandemia, às vezes apesar dela; e em um caso as ações das autoridades foram fatais. Pelo menos três jornalistas foram presos por seu trabalho sobre COVID-19, como criticar a falta de cobertura da mídia estatal sobre médicos e enfermeiras que contraíram a doença. O Ministério do Interior proibiu o acesso de visitantes, incluindo familiares e advogados, aos presídios do início de março a meados de agosto, citando o vírus.
Ainda assim, oficiais de segurança do Estado egípcio prenderam Sayed Shehta em 30 de agosto em sua casa em Giza, onde ele estava em quarentena após ser diagnosticado com COVID-19; ele desmaiou na delegacia e então foi levado para um hospital, onde foi algemado ao leito na unidade de terapia intensiva. Entretanto, Mohamed Monir sofreu um destino pior.
O veterano jornalista foi preso em 15 de junho sob a acusação de ingressar em um grupo terrorista, espalhar notícias falsas e usar indevidamente as redes sociais, depois de criticar a forma como o governo lidou com a pandemia provocada pelo COVID-19, inclusive em uma entrevista de 26 de maio e uma coluna de 14 de junho na Al-Jazeera. Monir adoeceu enquanto estava na prisão de Tora, no Cairo, foi libertado em 2 de julho e morreu em 13 de julho em um hospital de Gizé devido a complicações causadas pelo COVID-19.
Em todo o mundo, pelo menos um outro jornalista morreu após contrair o vírus sob custódia. O jornalista hondurenho David Romero – diretor da Rádio Globo e da TV Globo, que cumpria pena de 10 anos por difamar um ex-promotor – morreu no dia 18 de julho após contrair COVID-19 enquanto estava preso em uma instalação em Támara, perto da capital, Tegucigalpa. O risco de exposição ao vírus na prisão levou o CPJ a se juntar a 190 outros grupos para pedir aos líderes mundiais que libertassem todos os jornalistas aprisionados por seu trabalho na campanha #FreeThePress.
Azimjon Askarov, laureado como Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do CPJ, também morreu na prisão em 2020, após anos de campanha pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, CPJ e outros grupos de defesa, para que as autoridades quirguizes o libertassem. Askarov foi condenado à prisão perpétua sob acusações forjadas, em retaliação pela exposição dos abusos policiais. A esposa do jornalista, Khadicha Askarova, disse ao CPJ que Askarov não conseguia andar e estava com febre semanas antes de sua morte, e ela suspeitou que ele havia contraído COVID-19, mas a administração da prisão não o testou.
Outros países
Em outros lugares da Europa e Ásia Central, jornalistas foram pegos em meio a distúrbios na Bielorrússia; o presidente Aleksandr Lukashenko reivindicou a vitória para um sexto mandato em uma eleição amplamente vista como fraudulenta, gerando protestos em massa. As autoridades prenderam dezenas de jornalistas, condenando muitos a multas ou detenção administrativa e prisão de uma a duas semanas, mas alguns enfrentam acusações mais graves. Em 1º de dezembro, pelo menos 10 jornalistas estavam encarcerados na Bielorrússia; eles foram os primeiros listados no censo do CPJ naquele país desde 2014.
A agitação política, neste caso levando a um conflito armado, também levou as autoridades a prender jornalistas na Etiópia; pelo menos sete foram aprisionados, em comparação a um no ano anterior. A maioria é acusada de crimes contra o Estado, mas as autoridades têm repetidamente prorrogado a detenção para investigações, sem apresentar provas.
Na Turquia, onde todos os jornalistas atrás das grades enfrentam acusações de atos contra o governo, o número de presos diminuiu desde um aumento repentino em 2016, ano em que houve uma tentativa de golpe fracassada em julho. À medida que fechamentos de meios de comunicação, aquisições por empresários pró-governo e hostilidade judicial efetivamente erradicaram a grande mídia, a Turquia permitiu que mais jornalistas aguardassem julgamento fora da prisão. O CPJ encontrou 37 jornalistas encarcerados este ano, menos da metade do que em 2016, mas as autoridades continuam aprisionando jornalistas – e seus advogados. Por causa da COVID-19, os processos judiciais foram suspensos por três meses em 2020, prolongando a prisão dos detidos e a ansiedade dos que estão em liberdade aguardando julgamento.
Nas semanas que antecederam o censo do CPJ, as autoridades turcas prenderam pelo menos três jornalistas que trabalhavam para a agência de notícias pró-curda Mezopotamya News Agency por sua cobertura crítica, incluindo Cemil Ugur, que alegou em uma matéria que militares detiveram e torturaram dois moradores e os atiraram de um helicóptero; um deles morreu posteriormente. (Autoridades turcas disseram que os civis ficaram feridos resistindo à prisão).
No Irã, 15 jornalistas foram presos em 1º de dezembro. Em 12 de dezembro, as autoridades executaram um deles, Roohollah Zam, sob 17 acusações, incluindo espionagem, divulgação de notícias falsas no exterior e insulto aos valores islâmicos e ao líder supremo. O site de Zam e seu canal do Telegram, Amad News, haviam feito reportagens críticas sobre as autoridades iranianas e compartilhado os horários e locais dos protestos em 2017. Ele foi detido em 2019 em Bagdá, Iraque, e levado para o Irã, onde foi condenado à morte.