Marta Teixeira
Com a evolução e popularização do acesso a meios digitais de produção e divulgação de informações, o debate em torno de maneiras para lidar com o problema da produção de notícias falsas, desinformações ou informações corrompidas entrou na pauta da sociedade. A interferência desse fenômeno em processos eleitorais recentes de várias partes do mundo expôs a necessidade de se pensar a questão com urgência. Educação, legislação, controle… especialistas estudam como dar conta de uma temática atual, mas que ainda está longe de consenso.

Na Europa, por exemplo, o Parlamento francês aprovou, no último dia 20, duas polêmicas proposições de lei contra a manipulação de informações em período eleitoral. A legislação permite que, no período de três meses antes de eleições, a Justiça determine em 48h a retirada de conteúdos considerados falsos. As plataformas digitais (Facebook, Twitter e outras) passam a ser obrigadas a informar sobre a distribuição de conteúdos pagos. Além disso, o Conselho Superior de Audiovisual (CAS) fica autorizado a suspender os serviços de televisões controladas “por um Estado estrangeiro ou sob sua influência” em caso de difusão de “conteúdos falsos deliberados passíveis de alterar a sinceridade do escrutínio”.
Opositores na França consideraram as leis “ineficazes” e “potencialmente perigosas” à liberdade de expressão. No Brasil, onde a temática roubou a cena na última campanha eleitoral, o Portal IMPRENSA conversou com pesquisadores brasileiros sobre o assunto e a legislação também foi recebida com sinal de perigo.

Professor titular da Escola de Comunicações e Arte (ECA) e membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, Eugênio Bucci ressaltou os perigos oferecidos pela legislação. “O poder judiciário não tem mandato para editar o debate público. Trata-se de um limite grave que foi transposto”, explicou.
Com mestrado na França, o professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie, Diogo Rais, lembrou que, no Brasil, a legislação eleitoral possui mecanismo parecido. “Aqui, já existe um poder muito acentuado do Judiciário, que decide sobre isso e não é só nos três meses que antecedem a eleição, mas a todo tempo.”

Autor do livro “Fake News – a conexão entre a desinformação e o direito”, Rais vê riscos reais à liberdade de expressão. “Não me parece que uma norma que autorize a remoção de conteúdo resolva e nem que seja a melhor forma. Particularmente, acho um passo mais perigoso do que saudável. Você reconhece as dificuldades (com as notícias falsas) mas aponta, talvez, como único mecanismo, a força e o silêncio, e essas duas coisas são muito perigosas porque, de alguma maneira, fragiliza a liberdade de expressão.”
Mais do que legislação, os pesquisadores brasileiros defendem iniciativas de educação digital e midiática para combater a desinformação. “Legislar sobre o nível de qualidade da informação que os cidadãos recebem ou acessam é um risco muito grande. Nós precisamos fortalecer a liberdade, a capacidade crítica das pessoas (com media litteracy) e a ampliação dos organismos de fact checking. Este é o caminho”, avaliou Bucci.
O fortalecimento, ou empoderamento, do público para ser capaz de checar e descartar conteúdos falsos conta com o apoio de Rais. “O usuário passa a ter um papel ativo, buscando descobrir a verdade. Tornam-se protagonistas nesse ecossistema digital e não apenas receptores de mensagem. Isso é produto de educação digital.”
Há dez anos trabalhando com legislação eleitoral, os três últimos especificamente com a questão da desinformação online, Rais ressaltou ainda a necessidade de atacar a questão por outra frente fundamental. “Existe a parte da educação, mas existe uma outra que é a repressão diante, principalmente, da atividade mercantil. As fake news não são um trote ou uma piada de mau gosto, são produto de comércio. Tem alguém ganhando e alguém perdendo com isso. É uma produção com uma intenção.”
A disputa por alguma forma de poder – econômico, político, social ou pela fama -, afirmou Rais, é o elemento comum nas ações envolvendo a propagação de notícias falsas. E na própria definição do termo, o estudioso vê um caminho para lidar com o problema. “Eu procuro traduzir fake news como notícias fraudulentas e não falsas e o conceito jurídico de fraude se aproxima muito mais do conceito de fake. A mentira está no campo da ética, o direito se preocupa com a fraude, com a enganosidade. Partindo desse conceito, entendo que é possível fazer essa repressão principalmente nas indústrias de fake news e não difusamente. Existem empresas que produzem milhares de fake news e ganham dinheiro com isso.”
É na linha de combate às redes de produção e distribuição de notícias enganosas em escala industrial que Rais identifica o ponto de atuação ideal da Justiça. “Talvez não seja a melhor coisa processar o sujeito que acreditou em uma fake news e divulgou. Você precisará de bilhões de processos e, provavelmente, estará silenciando bilhões de cidadãos. Por que não atuar nas fontes propulsoras disso? Se fosse fazer alguma regulamentação, faria olhando para essas redes e não para os usuários”, completou.
Com a busca por soluções ainda em aberto, os especialistas brasileiros alertaram que o debate sobre a questão não avançou o suficiente no país. “Acho que nos falta clareza. Nos falta conhecer melhor os exemplos históricos que resultaram em censura e nos falta mais debate”, destacou Bucci.
“É necessária uma formação multidisciplinar e trabalho constante e longo. A gente precisa avançar, falar mesmo. Não espero uma regulação no Brasil agora. Qualquer coisa que for feita agora será ruim, dificilmente será boa, porque é necessário discutir mais e entender mais esse fenômeno. Aproveitando que temos dois anos para a próxima eleição, é um bom alerta para estudar mais o assunto e fomentar mais esses estudos porque, quando chegar a próxima eleição, não vai dar para resolver de última hora”, finalizou Rais.